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Asma Brônquica

ASMA E MERGULHO

A asma é uma doença com frequência similar em mergulhadores como na população geral. Durante muitos anos razões teóricas sugeriam que o mergulho em pacientes com asma predispunha ao embolismo arterial gasoso. Por muito tempo a asma foi contraindicação formal para mergulho — todo indivíduo com asma era desaconselhado a mergulhar. Todavia, experiência de campo e dados da moderna literatura não mais suportam estas propostas dogmáticas. Considerações sobre o mergulho recreacional – SCUBA (Self-Contained Underwater Breathing Apparatus) são efetuadas, estando contraindicado formalmente o mergulho saturado em asmáticos.

Fisiologia do Mergulho

O peso que o ar exerce sobre nós é chamado de pressão. Ao nível do mar é de 1 kg por cm2 ou uma atmosfera (atm) absoluta equivalente a uma coluna de 760 mm Hg, 101,3 kPa ou 1.013 bar. As variações de pressão do ar neste nível são pequenas, resultantes dos movimentos das massas de ar quente e frio.

Uma coluna de água de apenas 10 metros de altura com base de 1 cm2 exerce a mesma pressão que toda uma coluna de ar de mesma base, mas com altura até os limites da atmosfera. A cada 10 m teremos, portanto, o acréscimo de 1 atmosfera de pressão. Esta é a chamada pressão hidrostática. Assim, a 40 m de profundidade no mar, a pressão será de 5 atm. A pressão absoluta é de 4 atm correspondentes ao peso da água e uma correspondente ao peso do ar.

A pressão por si só não causa danos físicos/orgânicos até 300-450 m de profundidade, desde que seja equilibrada. No entanto, se uma cavidade contendo gás, como os pulmões, ouvido médio ou seios da face, não se comunicar com o exterior, a diferença de pressão pode causar compressão na descida ou expansão excessiva na subida.

A lei dos gases de Boyle estabelece que a pressão absoluta e o volume de uma certa quantidade de gás confinado são inversamente proporcionais se a temperatura permanece constante em um sistema fechado. Consequentemente, quando se dobra a pressão, o volume é reduzido à metade do volume original.

O barotrauma pulmonar refere-se à injúria pulmonar relacionada às rápidas mudanças nas pressões intrapulmonares relacionadas às pressões ambientes durante o mergulho. O barotrauma pulmonar pode ser decorrente mesmo de pequenas diferenças de pressão, determinando pneumomediastino, pneumotórax e a mais temida das complicações, que vem a ser a embolia arterial gasosa. O barotrauma pulmonar pode ocorrer tanto durante a submersão como na emersão (ascensão) do mergulho;1-3 porém, a maior preocupação ocorre na ascenssão à tona, quando o ar dos pulmões comprimidos se expandirá, baseado na citada lei de Boyle.

Durante a emersão, de acordo com a lei de Boyle, o volume pulmonar se expande à medida a que a pressão externa cai e os pulmões são descomprimidos, equalizando-se a pressão intrapulmonar, retornando ao seu tamanho original. Isto é feito simplesmente através da respiração normal que mantém as vias aéreas abertas e permite que o excesso de pressão escape com a exalação do ar, evitando a rotura dos alvéolos pelo efeito da pressão. O ar que os mergulhadores respiram está comprimido pela pressão da água.

Um dado adicional é que o ar comprimido é mais denso que o ar na superfície e determina aumento na resistência à respiração e, portanto, maior trabalho respiratório, um fator limitante ao exercício que pode resultar em retenção de CO2.

Na suposição de pacientes asmáticos que mergulham com obstrução de vias aéreas e air trapping, durante a emersão, o volume das regiões pulmonares com air trapping irá aumentar, determinando hiperdistensão dos alvéolos e brônquios, levando à ruptura pulmonar. Uma pressão transpulmonar de 95–110 cm H2O é suficiente para romper o parênquima pulmonar e promover a dissecção do interstício pelo ar, causando pneumomediastino ou pneumotórax.4-7 Entretanto, durante a emersão, a pressão parcial do gás dissolvido nos tecidos pode exceder a pressão ambiente (supersaturação), o que leva à formação de bolhas (geralmente o nitrogênio) nesses tecidos ou no sangue que passa por eles. Isto determina lesão vascular e lesão tecidual com ruptura mecânica e hemorragia focal. Esses êmbolos gasosos venosos, entretanto, alcançando a circulação arterial por meio de shunts intrapulmonares ou intracardíacos da direita para esquerda ou através de comunicação interatrial e do forame oval patente (FOP) podem determinar isquemia multifocal (cerebral, medula espinhal, ouvido médio e descompressão cutânea).8-10

Abordagem do Candidato a Mergulho

Durante um mergulho existem vários mecanismos pelos quais um mergulhador asmático pode ser exposto ao risco de um broncospasmo agudo: respiração de ar seco e frio através do sistema, aspiração de água salgada, inalação de aerossol hipertônico salino através de sistemas defeituosos e esforços excessivos durante o mergulho, especialmente naquele indivíduo não treinado.

Vários estudos avaliaram os riscos dos asmáticos no mergulho e se concluiu que todos os indivíduos com asma candidatos a mergulhar devem se submeter a exames de provas de função respiratória. Este grupo se restringe àqueles bem controlados, mesmo se em uso de corticoides por inalação (CI). Devem se submeter também ao teste de esforço. Somente se estes testes forem normais poderão obter a certificação para mergulhar.

Entretanto, os pacientes asmáticos em decorrência da inflamação podem ter espirometria normal mas ainda assim ter um aumento anormal na resistência das vias aéreas periféricas e perda do recolhimento elástico.11

Todavia, existem contraindicações absolutas para o mergulho, como a asma severa e a malcontrolada além de três (fenótipos) baseadas em condições conhecidas previamente pelo paciente que precipitam a asma: exercício, frio e estresse, três gatilhos que o mergulhador pode se deparar quando do mergulho. Um ataque de asma agudo pode levar ao pânico e afogamento.

Mergulhadores asmáticos não devem mergulhar no período imediato de 48 h se tiverem apresentado qualquer sintoma da doença ou necessitado neste período de broncodilatação de alívio.12,13 De acordo com o guideline do Reino Unido, medidas do pico de fluxo devem ser realizadas de forma seriada, duas vezes ao dia.14 Uma queda de 10% ou mais no pico de fluxo expiratório (PFE) deve afastar o asmático de qualquer atividade, se permitindo a volta ao mergulho somente quando os valores retornarem para a faixa dentro de 10% de seu melhor valor. O mesmo se aplica na eventualidade do aumento da variabilidade do PFE — variação diurna > 20%.

Segundo o Recreational Scuba Training Council e o Undersea and Hyperbaric Medical Society dos EUA, somente os pacientes com asma leve e moderada, cuidadosamente selecionados, bem controlados, com espirometria de triagem normal, podem ser considerados candidatos ao mergulho.15 A medicação utilizada para manter a espirometria dentro da normalidade não é contraindicação para o mergulho. A inalação de baixa dose de CI associado ao formoterol — CI-formoterol – como medicação preventiva pré-mergulho é permitida, jamais para aliviar o broncospasmo no momento.

Na asma os mergulhos devem ser limitados à profundidade de 130 pés ou 39,6 m, devendo-se evitar sempre ambientes estressantes e atividades extenuantes. Preconiza-se nível de energia de 3 a 4 equivalentes metabólicos (METS).16

A última palavra ou decisão se o paciente com asma poderá ou não efetuar mergulhos caberá a um médico, fundamentação esta, baseada nos vários fatores que interferem na atividade e nos exames efetuados assim como no conhecimento do indivíduo pelo médico. Ao candidato, se aprovado nos exames médicos, deverá ser feita uma exaustiva explicação dos riscos a que o asmático incorre e deixá-lo fazer a escolha sobre a possibilidade de prosseguir.

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Referências

01.Divers Alert Network. Report on decompression illness, diving fatalities and project dive exploration. DAN’s annual review of recreational scuba diving injuries and fatalities based on 2001 data. Durham, Divers Alert Network, 2003.

02.Strauss MB, Wright PW. Thoracic squeeze diving casualty. Aerosp Med 1971; 42: 673–675.

03.Tetzlaff K, Thorsen E. Breathing at depth: physiologic and clinical aspects of diving while breathing compressed gas. Clin Chest Med 2005; 26: 355–380.

04.Schaefer KE, McNulty WP Jr, Carey C, et al. Mechanisms in development of interstitial emphysema and air embolism on decompression from depth. J Appl Physiol 1958; 13: 15–29.

05.Malhotra MS, Wright HC. The effects of a raised intrapulmonary pressure on the lungs of fresh unchilled cadavers. J Pathol Bacteriol 1961; 82: 198–202.

06.Oh ST, Kim W, Jeon HM, et al. Massive pneumoperitoneum after scuba diving. J Korean Med Sci 2003; 18: 281–283.

07.Muth CM, Shank ES. Gas embolism. N Engl J Med 2000; 342: 476–482.

08.Gerriets T, Tetzlaff K, Liceni T, et al. Arteriovenous bubbles following cold water sport dives: relation to right-to-left shunting. Neurology 2000; 55: 1741–1743.

09.Schwerzmann M, Seiler C, Lipp E, et al. Relation between directly detected patent foramen ovale and ischemic brain lesions in sport divers. Ann Intern Med 2001; 134: 21–24.

10.Mitchell SJ, Bennett MH, Moon RE. Decompression sickness and arterial gas embolism. N Engl J Med 2022;386:1254-1264.

11.Bousquet J, et al. Asthma. From bronchoconstriction to airways inflammation and remodeling. Am J Respir Crit Care Med 2000; 161:1720-1745.

12.South Pacific Underwater Medicine Society, Gorman D, Veale A. SPUMS policy on asthma and fitness for diving. Disponível em :http://www.spums.org.au/spums_policy/spums_policy_on_asthma_and_fitness_for_diving. Acesso em: 5/08/2016.

13.British Sub Aqua Club. Medical information. Asthma. Disponível em :www.bsac.com/core/core_picker/download.asp?id=10093&filetitle=Asthma. Arquivo capturado em: 5/08/2016.

14.British Thoracic Society Fitness to Dive Group, a Subgroup of the British Thoracic Society Standards of Care Committee. British Thoracic Society guidelines on respiratory aspects of fitness for diving. Thorax 2003; 58: 3–13.

15.Elliott DH, ed. Are asthmatics fit to dive? Kensington, MD: Undersea and Hyperbaric Medical Society; 1996.

16.Pendergast DR, Tedesco M, Nawrocki DM, et al. Energetics of underwater swimming with SCUBA. Med Sci Sports Exerc 1996; 28: 573–580.