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Asma Brônquica

ASMA NA INFÂNCIA

A asma é a doença não transmissível mais comumente relatada entre crianças em todo o mundo, estimando-se que nos EUA existiam em 2019 mais de 5,1 milhões de crianças menores de 18 anos acometidas pela doença (prevalência de 7%), ou seja, para cada 12 crianças em idade escolar 1 é acometida pela asma.1 Em 2018, na mesma faixa etária, ocorreram 767.395 atendimentos na emergência com 74.295 internações hospitalares.1 Entre as crianças de 5 a 17 anos, a asma é uma das principais causas de absenteísmo escolar, sendo que em 2013, representou mais de 13,8 milhões de dias.2 A prevalência da asma pediátrica na União Europeia é de 9,4%, acometendo na atualidade cerca de 5,5 milhões de crianças.3

Apesar da dificuldade para se diagnosticar a asma em crianças de tenra idade, existem evidências de que a metade de todos os casos de asma na infância são diagnosticados até os 3 anos de idade e 80% de todos os casos de asma até os 6 anos, sendo que em 1/3 os primeiros sintomas começam antes de completarem um ano de vida.4 Nas crianças há predomínio do sexo masculino, variando entre 3:2 a 2:1. Esta supremacia está relacionada à possível maior produção de IgE e ao maior tônus das vias aéreas, que também são mais estreitas nos meninos. O índice passa a 1:1 entre os 10 e 12 anos, uma vrz que a relação diâmetro/comprimento passa a ser a mesma para ambos os sexos, quando ocorrem mudanças no tamanho do tórax em meninos, o que não acontece com as meninas. Na idade adulta passa a ocorrer predomínio do sexo feminino.

Globalmente a frequência da asma declarada dobrou nos últimos vinte anos, em parte pelo aumento real do número de casos, como pelo melhor reconhecimento da doença pela comunidade médica.  A dificuldade de se comparar os dados epidemiológicos de um país com outro, e às vezes de uma região para outra, motivou a realização de uma grande pesquisa internacional, o estudo ISAAC – International Study of Asthma and Allergies in Childhood.5 Em sua primeira fase, através de um questionário simples, estandardizado e validado, com poucas perguntas, autoaplicável, este estudo avaliou  304.796 crianças de 42 países, entre 6–7 anos de idade e 463.801 adolescentes em 155 centros de 56 países entre 13–14 anos. A enquete permitiu distinguir três grupos de países segundo as taxas de prevalência da asma: fraca (inferior a 5%), média (5–6%) e forte (superior a 10%). As maiores prevalências foram registradas nos países anglo-saxões: Inglaterra, Nova Zelândia, Austrália, Irlanda, Canadá, Estados Unidos onde a prevalência é ≥ 20%, enquanto que as mais baixas ocorreram nos países do leste europeu, Indonésia, Grécia, Taiwan, Índia e Etiópia.  Neste estudo multicêntrico o Brasil ficou classificado em 8º lugar, com prevalência média de 20% (Figura 1). Participaram da fase inicial do estudo ISAAC pesquisadores brasileiros das cidades de Curitiba, Itabira, Porto Alegre, Recife, Salvador, São Paulo e Uberlândia.

Pesquisas sugerem vários fatores que podem contribuir para o aumento da asma infantil. Dentre eles, o aumento da sobrevivência de fetos prematuros com pulmões não totalmente desenvolvidos; o aumento do número de mulheres grávidas fumantes, o que eleva a probabilidade de baixo peso e capacidade pulmonar reduzida no recém-nascido. Além disso é bem conhecido o fato de que a exposição à fumaça do cigarro in utero é capaz de alterar o crescimento das vias aéreas e pulmões do feto, o que aumenta tanto a resistência como o risco de sibilância nas fases mais precoces da vida.

Manifestações Clínicas

A tosse geralmente não produtiva é quase que constante na asma em todos os grupos etários. A asma constitui-se na causa mais comum de tosse crônica em crianças de qualquer idade. Pode ser a única manifestação da asma em mais de 57% dos casos,6 ocorrendo principalmente à noite ou durante a madrugada, durante o exercício ou quando a criança chora ou grita.

Na criança, a tosse pode ser o sintoma mais precoce e único (5% dos casos) da doença, visto que a asma não é diagnosticada, às vezes por anos, especialmente se a obstrução brônquica nunca se manifesta de forma intensa o suficiente para gerar oscilações, decorrentes da aceleração e turbilhonamento do ar nas paredes dos  pequenos e estreitados brônquios. Nestas ocasiões, durante a ausculta do tórax, não se detectam ruídos adventícios a menos que a criança hiperventile.7,8

Quando ruídos adventícios estão presentes na ausculta pulmonar, estes podem ser os roncos ou sibilos. A asma é a causa mais comum de sibilos generalizados em crianças e a bronquiolite é a causa mais comum em lactentes. Os sibilos são sons adventícios contínuos polifônicos, de caráter musical, finos, mais agudos, melhor perceptíveis ao final da inspiração e na expiração. O ronco é um ruído rude, escuta-se tanto na inspiração quanto na expiração. Os roncos e sibilos podem ser ouvidos de forma intermitente, às vezes só se produzem em um tempo respiratório, desaparecendo no outro. São ruídos móveis, que desaparecem, amiúde, durante alguns ciclos respiratórios para reaparecerem depois. Com a tosse, não raro, diminuem tanto que se extinguem.

A principal característica da asma é a sibilância, porém é bem sabido que nem tudo que sibila é asma. O diagnóstico da asma na criança nem sempre é fácil, principalmente no pré-escolar, pois a incidência de sibilância pode alcançar níveis superiores a 50%, como visto em estatísticas de alguns países tais como Estados Unidos e Austrália.

Nos EUA, um estudo coorte prospectivo acompanhou crianças até 6 anos de idade e constatou que aproximadamente 51,5% de todas as crianças nunca apresentaram sibilos, 19,9% tiveram pelo menos um episódio de sibilância durante os três primeiros anos de vida e estavam assintomáticos aos seis anos, 15% apresentaram o primeiro episódio de sibilos somente após os três anos de idade e persistiam aos seis anos, enquanto que 13,7% apresentaram sibilos antes do três anos e persistiam até os seis anos.9

A sibilância é um achado clínico pouco comum durante os 2 primeiros meses de vida.10 O motivo pelo qual os recém-natos estão protegidos contra a obstrução não é conhecido. Nesta faixa, a apneia e não a sibilância é a manifestação mais frequente da infecção pelo vírus sincicial respiratório (VSR). Após dois meses de idade, a incidência do primeiro episódio de sibilância aumenta, com pico entre o 2º e 5º meses de idade.11 A incidência diminui após o sexto mês e permanece baixa e estável durante o segundo e terceiro anos de vida.12 Cerca de 30-40% das crianças que sibilam antes dos três anos persistem sibilando aos 6 anos de idade.9,13

Sob o ponto de vista epidemiológico, identificam-se três fenótipos mais frequentes de sibilância recorrente, que ocorrem antes dos três anos de idade:14 sibilância transitória precoce, sibilância não atópica persistente e sibilância atópica.

(1) – Sibilância transitória precoce (60% < 3 anos de idade) – Consiste em um grupo de crianças que apresenta episódios recorrentes de sibilos durante o primeiro ano de vida e mostra aparente remissão quando dos primeiros anos de escola. Cerca de 60% das crianças param de sibilar aos 3 anos de vida. Estas não apresentam maior incidência de história familiar de asma nem história pessoal ou familiar de outras doenças alérgicas como a dermatite atópica, do que aquelas que nunca apresentaram sibilos nos primeiros 6 anos de vida.12,15 Estudos epidemiológicos demonstram que crianças que pertencem a este grupo tendem a ter sintomas quase que exclusivamente durante infecções virais. Devido às características anátomo-funcionais desta faixa etária as infecções virais podem evoluir com obstrução das vias aéreas o que determina edema de mucosa e aumento de secreções, com expressão clínica de tosse, chiado e roncos. Um outro fator de risco para a sibilância precoce transitória está relacionado ao hábito tabágico materno. Esta associação pode ser explicada, pelo menos em parte, pelas menores dimensões das vias aéreas em crianças cujas mães fumam.12

(2) – Sibilância não atópica persistente (20% < 3 anos de idade) – Como já citado, 30-40% das crianças que sibilam durante os três primeiros anos de vida continuarão a apresentar episódios de sibilos aos 6 anos de idade. Apenas metade destas apresentam evidências de sensibilização contra aeroalérgenos locais, o que contrasta com > 90% das crianças alérgicas entre aquelas que sibilam aos treze anos.16 Neste grupo ocorre nítida relação com as infecções virais. As que sibilam neste grupo apresentam maior incidência de sintomas durante o inverno, quando as infecções virais são mais prevalentes na comunidade. As infecções virais que aumentam o risco de sibilância persistente não atópica em indivíduos susceptíveis são capazes, no entanto, de diminuir o risco de sensibilização alérgica e sibilância atópica, através do estímulo da imunidade mediada via desvio TH1.

(3) – Sibilância atópica (20% < 3 anos de idade) – Corresponde a 20% do total. De início, os futuros sibilantes atópicos não podem ser distinguidos clinicamente das outras crianças que chiam durante os primeiros três anos de vida. A sibilância usualmente inicia-se um pouco mais tarde neste grupo do que nos outros dois, com frequência mais elevada durante o segundo e terceiro anos de vida. Tendem a apresentar sintomas mais severos. Uma cuidadosa anamnese pode ser importante, pois as crianças com sibilância atópica apresentam quatro vezes mais relatos de asma na família e cerca de duas a três vezes mais relatos de dermatite atópica do que os outros grupos para a mesma faixa de idade. Apenas em uma minoria de crianças, que serão classificadas mais tarde como atópicas, os testes cutâneos são positivos para aeroalérgenos. O mesmo ocorre com a detecção de IgE específica para aeroalérgenos que nesta população é baixa. Estes testes só se tornarão positivos meses ou anos após os primeiros episódios de sibilância.

Na Figura 2 identificam-se os três fenótipos mais frequentes de sibilância recorrente, cujos sintomas iniciam antes dos três anos de idade: sibilância transitória precoce, sibilância não atópica persistente e sibilância atópica.

Infelizmente, na prática clínica, torna-se muito difícil identificar no universo de crianças que apresentam sibilos nos três primeiros anos de vida, a minoria que evoluirá para a asma no período pré-escolar, escolar e adulto. Não se dispõe no momento de nenhum marcador genético ou bioquímico para tal. Vários estudos longitudinais tentam responder esta questão. O de Melbourne, Austrália, avaliou crianças em diferentes estágios de gravidade, abrangendo a faixa etária de 7 a 10 anos.17 Constatou-se que a gravidade da asma modifica-se pouco  no decurso do tempo, ou seja, crianças com asma mais severa durante os anos escolares foram as que se tornaram pacientes mais graves quando adultos. Já as crianças com asma leve ou pouco frequente apresentavam-se com asma leve intermitente na idade adulta ou com remissão completa da doença. Constatou-se que aquelas que sibilavam durante os três primeiros anos de vida, e cuja sintomatologia persistia aos 6 anos, apresentavam provas de função respiratória com valores inferiores aos das crianças cuja sibilância se iniciara após os três anos. Estes dados demonstram que o início precoce dos sintomas de asma está associado à deterioração funcional pulmonar e ao maior índice de persistência da doença na idade adulta. Este é o principal motivo pelo qual se deve tentar identificar precocemente quais crianças apresentam sibilos transitórios não relacionados à doença, daquelas que evoluirão para a asma brônquica na idade escolar e adulta, pois um tratamento específico se impõe, objetivando a preservação funcional pulmonar e a atenuação evolutiva da asma, modificando-se o curso da mesma.

Vários estudos demonstraram ser possível um alto nível de precisão diagnóstica visando identificar crianças menores de três anos com risco elevado para asma, utilizando-se certos índices clínicos. Castro-Rodriguez et al.,18 a partir de dados do Tucson Children's Respiratory Study desenvolveram dois índices preditivos de asma, que utilizam critérios maiores e menores para avaliar o risco de asma em crianças com história de sibilos recorrentes. Os critérios maiores foram a presença de asma nos pais, especialmente a asma materna e a dermatite atópica diagnosticada por um médico. Os critérios menores incluíam a rinite alérgica, eosinofilia (≥ 4%) e sibilos não relacionados aos resfriados. Este índice recebeu a denominação de "índice limitado". Neste a criança sob potencial risco de desenvolver asma na idade escolar deveria manifestar sibilos recorrentes durante os três primeiros anos de vida e apresentar pelo menos um dos dois critérios maiores ou dois dos três menores. A combinação de fatores maiores e menores foi escolhida porque fornecia maior valor preditivo e maior especificidade.

Em crianças com ≤ 5 anos, a sibilância recorrente é comum, mas a asma é mais provável se elas apresentarem sibilos ou tosse com exercício / riso / choro ou na ausência de infecções respiratórias e se tiverem histórico de eczema ou rinite alérgica.

Infecção Viral, Sibilos e Asma

Em crianças, a infecção viral comumente causa sibilos. Mais de 70% dos episódios de sibilância no primeiro ano de vida estão relacionados às infecções virais respiratórias.19 Nas menores de dois anos o agente causal mais comum é o Vírus Sincicial Respiratório (VSR), um ARN paramixovírus, sendo também o maior agente causador das bronquiolites virais (80%).

O mecanismo pelo qual o VSR desencadeia a sibilância está associado a uma resposta de células T caracterizada principalmente pela produção de citocinas TH2, a mesma resposta observada durante os episódios de asma. Ambas são caracterizadas pelo recrutamento de células T e eosinófilos bem como pela liberação de mediadores solúveis como a histamina, as cininas e os leucotrienos. Entre as crianças com bronquiolite, a sibilância mais severa e frequente correlaciona-se com os elevados níveis de anticorpos IgE contra o VSR e o vírus parainfluenza nas secreções respiratórias, sugerindo que os anticorpos induzidos pelos vírus aumentam a liberação de mediadores inflamatórios, importantes na responsividade brônquica. O VSR pode favorecer ainda o broncospasmo através de vias neurais que medeiam a responsividade das vias aéreas.

Aproximadamente uma em cada cinco crianças sibilam em decorrência da infecção pelo VSR, porém somente 15% destas desenvolverão asma persistente. O porquê ainda não está bem estabelecido, embora existam hipóteses. Acredita-se que a bronquiolite inflamatória pós-infecção tenha forte potencial de injúria ao nível das vias aéreas, determinando o seu remodelamento. Estas alterações permanentes influenciariam o crescimento pulmonar, causando sibilância persistente. Outra possibilidade propõe que a infecção pelo VSR, em indivíduos geneticamente propensos à atopia, possa influenciar o desenvolvimento do sistema imune, tornando o paciente mais alérgico.

Acima de 2 anos à idade adulta, as infecções virais são causadas principalmente pelos rinovírus e coronavírus, ocorrendo forte associação entre rinovírus e asma.20,21

A família dos picornavirídeos é a fonte mais comum de infecções virais no mundo.22 Recebem este nome devido ao seu ínfimo tamanho (aproximadamente 30 nm). São vírus RNA, ubíquos e incluem além dos rinovírus humanos, os enterovírus, cardiovírus e os aphtovírus.23 O rinovírus é o responsável por cerca de 60% dos resfriados comuns. Existem mais de 100 sorotipos diferentes, os quais apresentam pequenas diferenças na sequência genética e estrutura antigênica. O rinovírus infecta pacientes de qualquer idade, em qualquer época do ano, sendo mais prevalente, entretanto, no inverno. Adenovírus, parainfluenza e coronavírus são detectados com menos frequência. O coronavírus causa sintomas semelhantes ao rinovírus, sendo responsável por aproximadamente 15-20% dos resfriados comuns, determinando mais infecções do trato respiratório inferior do que superior, estando associado frequentemente às exacerbações da asma. Existem dois grupos antigênicos principais de coronavírus, conhecidos como 229E e OC43.

Imunologia da Sibilância nos Primeiros Anos de Vida

O início da sibilância atópica e não atópica é o resultado de uma complexa interação entre a predisposição genética, a exposição ambiental e os padrões de desenvolvimento tanto das respostas imunes quanto do desenvolvimento do sistema broncopulmonar. A persistência nos primeiros anos de vida de baixas respostas do interferon gama (IFN-g), que é uma característica dos lactentes, predispõe as crianças a episódios de sibilância (transitória) durante as infecções virais. O determinante mais importante da maturação de respostas IFN-g é a exposição aos produtos bacterianos, como a endotoxina. A endotoxina é um componente da parede celular das bactérias gram-negativas, sendo encontrada na natureza nas fezes de animais (especialmente em animais de fazenda). Estudos in vitro demonstraram que a endotoxina é capaz de modificar o tipo de resposta imune produzida pelas células T. Estimula a produção pelas células dendríticas, de IL-12 que induz as células TH1 e as células assassinas natural killer a produzirem o interferon-g e, desse modo, desviam o sistema imune para uma resposta TH1, com ação protetora contra a alergia, reduzindo a produção de citocinas TH2 (IL-4, 5, 6), importantes na imunopatogênese das doenças alérgicas. Em crianças que não apresentam predisposição genética a alergias, a sibilância não atópica é capaz de persistir enquanto permanecer o déficit de respostas IFN-g, podendo alcançar o período escolar. Nas crianças com predisposição genética para o desenvolvimento de respostas TH2, baixas respostas IFN-g irão predispor a sensibilização precoce à exposição a concentrações muito baixas de alérgenos. Como consequência, estas crianças estarão mais propensas a desenvolver respostas TH2 contra vários antígenos, de início contra antígenos de alimentos e, ao longo do tempo, contra aeroalérgenos. Além da tosse e da sibilância, a criança com asma apresenta no exame físico à inspeção e à palpação:

● Taquipneia. Levar em consideração a idade da criança (Tabela 1)

 

Tabela 1 Frequência Respiratória Normal em Função da Idade

 

Idade
Frequência Normal
< 2 meses
< 60/min
2–12 meses
< 50/min
1–5 anos
< 40/min
6–8 anos
< 30/min
 

● Mudança na coloração dos lábios (palidez, cianose) e do leito ungueal (cianose)

● Deformidades torácicas – "tórax pseudorraquítico" nas crianças asmáticas desde tenra idade, tonel etc

● Tiragem intercostal – retração inspiratória dos espaços intercostais, fossa supraesternal, regiões supraclaviculares e subcostais devido à obstrução

● Utilização da musculatura acessória, principalmente nas grandes dispneias, mobilizando os músculos inspiratórios auxiliares como os esternocleidomastoideos e escalenos

● Tempo expiratório forçado, prolongando a expiração ao mesmo tempo em que aperta os lábios, deixando apenas uma pequena fenda central na comissura labial (posição de "assovio")

● Taquicardia. Levar em conta a idade da criança (Tabela 2)

 

Tabela 2 Frequência Cardíaca Normal em Função da Idade

 

Idade
Frequência Normal
2–12 meses
< 160/min
1–2 anos
< 120/min
2–8 anos
< 110/min
 

● Pulso paradoxal (PP) – consiste na diminuição acentuada da amplitude do pulso e até mesmo o seu desaparecimento, associado à diferença de pressão sistólica entre a inspiração e a expiração. Na inspiração em pessoas normais a pressão arterial sistólica diminui > 10 mm Hg. Este aumento na variabilidade da pressão intratorácica influencia o retorno venoso e por isso afeta o débito cardíaco e a pressão de ejeção do ventrículo esquerdo. Na asma aguda a pressão pleural é muito negativa na inspiração, ocorrendo grande redução na pressão intratorácica (–30 – –20 mm Hg). Mecanismos relacionados à estas grandes oscilações na pressão pleural foram propostas para explicar o pulso paradoxal, afetando a pressão arterial sistólica: por ação direta (transmissão passiva ao longo da árvore arterial) e indireta (diminuição do débito cardíaco ventricular esquerdo). O pulso paradoxal pode ser medido com o esfigmomanômetro, à beira do leito. O valor normal do PP para as crianças na asma severa varia de 20–40 mm Hg. A ausência de elevação no PP pode significar agravamento, pois, à medida que a insuficiência respiratória progride, ocorre diminuição do esforço inspiratório por fadiga muscular e as oscilações na pressão intratorácica podem ser menores.

 

Diagnóstico Diferencial

Várias patologias são capazes de reduzir a luz das vias aéreas, com manifestações estetoacústicas semelhantes às observadas na asma brônquica. Na Tabela 3 são apresentadas as principais doenças que fazem diagnóstico diferencial da asma nas crianças.

Tabela 3 Diagnóstico Diferencial da Asma na Infância

Diagnóstico Diferencial da Asma na Infância
Trato Respiratório Alto
Trato Respiratório Médio
Trato Respiratório Inferior
Rinite Alérgica
Estenose Brônquica
Bronquiectasias
Hipertrofia amigdaliana/adenoides
Linfonodomegalias
Displasia broncopulmonar
Corpo estranho
Eiglotite
Chlamydia trachomatis
Rinite infecciosa
Corpo estranho
Aspiração crônica
Sinusite
Laringotraqueobronquite
Refluxo gastresofagiano
Coqueluche
Síndrome de hiperventilação
Inalação tóxica
Bronquiolite obliterante
Fístula traqueoesofagiana
Hemosiderose pulmonar
Estenose traqueal
Inalação tóxica
Traqueomalácia
Tumor
Tumor
Bronquiolite viral
Aneis vasculares
Disfunção das cordas vocais
Adaptado de Lemanske PP Jr, Green GG. – Asthma in infancy and chilwood. In: E Midleton JR, CE Reed, EF Ellis, et al., eds Allergy: Principles & Practice. 5º Ed, St Louis, Mc Mosby-Year-Book, Inc; 1998:878.
 

Exploração Funcional Respiratória

O relatório da Estratégia Global para Gestão e Prevenção da Asma (GINA) afirma que o diagnóstico de asma não deve ser baseado apenas nos sintomas. Todas as crianças com asma devem se submeter aos testes de função respiratória tão logo seja possível. Crianças acima de quatro anos são capazes de executar as manobras com razoável sucesso. Os testes de função pulmonar auxiliam no diagnóstico e monitoramento da doença. Praticamente todos os testes podem se alterar. Estes podem apresentar-se normais nos assintomáticos fora de crise ou com os mais variados graus de obstrução em função do estágio da doença em que o paciente se encontra. As medidas mais comuns e fáceis de serem obtidas são aquelas através de manobra expiratória forçada: Capacidade Vital Forçada (CVF), Volume Expiratório Forçado no primeiro segundo (VEF1), a relação VEF1/CVF e o Fluxo Máximo-Médio Expiratório Forçado da Capacidade Vital (FEF 25-75%) (Figura 3). A diferença entre a Capacidade Vital "lenta" (CV) e a Capacidade Vital Forçada (CVF) é vista frequentemente em pacientes com obstrução brônquica, sendo um sinal de air trapping.

A redução do calibre e consequente aumento na resistência das vias aéreas determina diminuição de todos os fluxos expiratórios máximos, incluindo o Pico de Fluxo Expiratório (PFE) que, na asma aguda infantil, pode ser menor do que 40 l/min. Ocorrem ainda diminuição dos volumes expirados em função do tempo, oclusão prematura das vias aéreas, hiperinsuflação pulmonar, aumento do trabalho respiratório com mudanças na performance muscular e alterações na relação ventilação-perfusão com alteração nos gases sanguíneos.

A reversibilidade da obstrução das vias aéreas pode ser avaliada através do teste de broncodilatação, medindo-se o VEF1 antes e 10 a 15 minutos após a inalação de duas respirações profundas de broncodilatador de curta ação – Salbutamol (200-400 mcg). Arbitrariamente considera-se um aumento ≥ 12% (ou 200 ml) no VEF1 como evidência de significativa reversibilidade.

Os Fluxos Expiratórios Máximos obtidos através da curva fluxo-volume (Vmáx75%CVF, Vmáx50%CVF, Vmáx25%CVF, e o PFE) encontram-se diminuídos, elevando-se após o teste com o broncodilatador (Figura 4).

Quanto à avaliação dos resultados obtidos na espirometria é importante salientar que crianças com a mesma altura podem ter padrões de crescimento e desenvolvimento pulmonares diferentes. Portanto, esta informação deve ser levada em conta quando comparamos os valores obtidos aos das tabelas de valores teóricos preditos. Por exemplo, não é raro encontrar uma criança sibilando com um VEF1 de 90-100% do teórico que se eleva 15-20% após o teste de broncodilatação. Por outro lado, crianças com VEF1 de 70-80% do teórico, em função de tabelas para a idade e altura podem não ter asma. Torna-se necessário estar atento para estas variações, evitando-se superestimar ou subestimar o grau de obstrução, o que pode ter impacto no diagnóstico correto da doença bem como nas formas de tratamento.

Outro teste diagnóstico considerado como de primeira linha para todas as crianças sob investigação de asma, embora ainda não disponibilizado em todas as unidades de saúde, a Fração exalada de Óxido Nítrico (FeNO) deve ser efetuada como parte da investigação em crianças a partir de cinco anos de idade.24-27 Um valor de FeNO ≥ 25 ppb em uma criança com sintomas de asma é um parâmetro considerado como altamente preditivo para o diagnóstico de asma.28 Um valor de FeNO < 25 ppb não exclui asma. Quando os resultados são elevados, podem significar inflamação eosinofílica, merecendo investigação criteriosa, principalmente se houver história de asma em algum período da vida. A sensibilidade do teste FeNO é alta em pacientes não tratados.29

O teste de broncoprovocação – direto ou indireto – e a avaliação da variabilidade excessiva média diária do PFE são testes recomendados para todas as crianças quando o diagnóstico permanece sem definição após as investigações iniciais.28

Quando um teste de provocação com metacolina apresentar uma PC20 ≤ 8 mg/ml ele é considerado positivo. Testes de provocação com manitol podem ser desagradáveis para as crianças e devem ser evitados. Nenhuma evidência foi encontrada para o uso da histamina.

O teste de provovação indireto de exercício na esteira ou bicicleta com queda no VEF1 de > 10% do valor basal deve ser interpretado como positivo.

Uma variabilidade diurna no teste de PFE ≥ 12% deve ser considerada positiva. Se um teste de variabilidade do PFE for utilizado, o resultado deve ser baseado em duas semanas de medições. Uma variabilidade < 12%, entretanto, não exclui asma.

Biagini Myers et at. 30 e seus colegas desenvolveram o Escore de Risco de Asma Pediátrica (PARS), uma ferramenta on-line gratuita31 para avaliar o risco de asma em crianças pequenas.

Segundo a GINA, considerar para crianças com ≤ 5 anos o encaminhamento para parecer com o especialista para investigação diagnóstica complementar — isto na eventualidade da não confirmação do diagnóstico de asma, se houver história de início muito precoce dos sintomas, falha na resposta terapêutica ou na presença de características que possam sugerir diagnósticos alternativos – p. ex. hipoxemia, baqueteamento digital, retardo de crescimento.32

 

Obesidade e Asma na Infância

Um grande estudo de coorte retrospectivo32 de janeiro de 2009 a dezembro de 2015, com dados de cerca de 500.000 crianças dos Estados Unidos, foi elaborado para comparar a incidência de asma entre crianças de 2 a 17 anos com sobrepeso e/ou obesidade versus peso saudável. Ficou demonstrado que cerca de um quarto (23 a 27%) destas crianças eram obesas. Estes dados apontam que a obesidade é um importante fator de risco evitável para a asma pediátrica e que na ausência de sobrepeso e obesidade 10% de todos os casos de asma pediátrica poderiam ser evitados.

A obesidade pode ser o único fator de risco para a asma infantil a ser evitado. Essa é mais uma evidência de que manter crianças ativas e com peso saudável é importante.

As crianças, seus pais e todos os responsáveis que delas se ocupam, incluindo os educadores, precisam ser instruídos sobre como controlar a asma. Todos devem ser instruídos sobre "como", "por que" e "quando" precisam usar os medicamentos adequados, aprender a reconhecer quando a asma não está controlada para monitorar a sua doença através dos sintomas ou utilizar medidores de PFE e saber quando se deve buscar atendimento médico de emergência.

Referências

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