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Asma Brônquica

Regulação da Contração das Células Musculares Lisas das Vias Aéreas

A contratilidade exacerbada das células musculares lisas das vias aéreas de asmáticos é uma característica da asma e foi bem demonstrada por Ma et al. através de células isoladas por meio de biópsias endobrônquicas. Aumentos estatisticamente significativos na capacidade máxima de encurtamento foram encontrados em células de músculo liso brônquico de indivíduos com asma em comparação às células normais.1

A contração do músculo liso brônquico decorre da interação de inúmeros agonistas que determinam a broncoconstrição através de seus receptores acoplados à proteína G (GPCR), sendo a contração mediada por vias de sinalização intracelulares complexas, dentre elas:2-4 (Figura 1)

 

Figura 1 – Regulação da Contração do Músculo Liso

DAG, diacilglicerol; GPCR, receptores acoplados à proteína G; IP3, trifosfato de inositol; MLC, cadeia leve de miosina; MLCK, quinase de cadeia leve de miosina; MLCP, fosfatase de cadeia leve de miosina; PKC, proteína quinase C; PLC, fosfolipase C; PIP2, fosfatidilinositol-4,5-bifosfato; ROCK, RHO-associated, Coiled-coil Containing Protein Kinase ou Rho-kinase (Rho quinase; RhoA, família Rho pequena GTPase A); RS, retículo sarcoplasmático. Figura retirada e modificada de Chiba Y et al. J Pharmacol Sci. 2010; 114:239-47.

1 – Após o acoplamento a ativação do receptor pelos agonistas causa alterações conformacionais do receptor, resultando na dissociação das proteínas G heterotriméricas associadas ao receptor e das subunidades Gα das subunidades Gβ e Gγ. Posteriormente, as subunidades Gα (Gαq 11, Gα12 e/ou Gα13) destas proteínas G ativam a fosfolipase C (PLC). A PLC hidrolisa o fosfatidilinositol-4,5-bisfosfato (PIP2) resultando na geração de dois segundos mensageiros – o inositol 1,4,5-trifosfato (IP3) e o diacilglicerol (DAG). O IP3 se liga aos seus receptores IP3R que controlam muitos processos celulares, gerando sinais internos de cálcio no retículo sarcoplasmático (RS), iniciando sua liberação do RS para o citoplasma.2,5 A liberação de Ca2+ ocorre de modo oscilatório e se propaga ao longo da célula na forma de uma onda de Ca2+. O Ca2+ se liga à calmodulina (CaM), uma proteína reguladora, e o aumento do Ca2+ citosólico forma o complexo homotetramétrico constituído por quatro subunidades, cada uma com peso molecular de cerca de 260 kDa.6 O complexo 4Ca2+– calmodulina – miosina quinase de cadeia leve (MLCK) em contrapartida abre e ativa o domínio enzimático da MLCK.4 A atividade da quinase de cadeia leve de miosina (MLCK) é controlada pela elevação na concentração do Ca2+ citosólico proveniente do influxo de cálcio extracelular dos reservatórios do RS.

A capacidade contrátil das células musculares lisas presentes nas vias aéreas é primordialmente influenciada pela fosforilação da cadeia leve de miosina (MLC). Essa fosforilação é o evento-chave que desencadeia a ativação do mecanismo contrátil. O nível de fosforilação da MLC é meticulosamente controlado por meio da ação de duas enzimas cruciais: a cadeia leve de miosina quinase (MLCK) e a fosfatase de cadeia leve de miosina (MLCP).2

A MLCK se liga às moléculas de MLC nas fibras de miosina dentro da célula muscular lisa. Inicia-se a transferência de grupos fosfato de ATP (trifosfato de adenosina) para a MLC. Isso resulta na fosforilação da MLC – resíduo de aminoácido específico (serina 19) da subunidade reguladora da cadeia leve de 20 kDa de miosina – que é uma modificação química importante. A fosforilação promove a formação de pontes cruzadas com o filamento de actina e sofre transformações moleculares cíclicas, permitindo que os filamentos de miosina se liguem aos filamentos de actina encurtando7 a célula muscular lisa, resultando na sua contração.2-4,8 A subunidade ligada à miosina, quando fosforilada, inibe a atividade enzimática da MLCP, permitindo que a MLC se mantenha fosforilada, promovendo assim a contração do músculo liso.2,3,9,10 (Figura 1)

Como resultado de um processo de homeostase, o aumento nos níveis citosólicos livres de Ca2+ é então rápido e praticamente revertido por uma recaptura no retículo sarcoplasmático/endoplasmático, basicamente mediada pela ATPase de cálcio do retículo sarcoplasmático/endoplasmático (SERCA), que reabastece assim as reservas intracelulares de Ca2+ previamente esgotadas.10 Esse processo de transporte de cálcio pelo SERCA é fundamental para regular a concentração de cálcio no citoplasma, permitindo que as células musculares relaxem após a contração, controlando a liberação de cálcio durante a contração muscular e desempenhando papel importante em muitos outros processos celulares, como a sinalização celular e a homeostase de cálcio. A energia fornecida pela hidrólise do ATP é essencial para impulsionar esse processo.

2 – A ativação do receptor acoplado à proteína G (GPCR) leva conjuntamente à elevação de RhoA e Rho quinase (ROCK), o que também conduz à subsequente inibição da MLCP.2,3,11 A MLCP é uma serina (Ser)-treonina (Thr) fosfatase expressa no músculo liso cuja função é independente dos níveis de Ca2+. A MLCP é a enzima responsável pela desfosforilação da MLC. Portanto, a ação da MLCP, que remove os grupos fosfato da MLC, relaxa o músculo liso. A MLCP é uma enzima complexa composta por várias subunidades. As principais subunidades incluem a catalítica PP1c (Proteína Fosfatase 1 catalítica), as regulatórias Myosin Phosphatase Target Subunit 1(MYPT1) e MYPT2 e outras subunidades acessórias.12 A atividade da MLCP é regulada por meio da fosforilação de sua subunidade MYPT1.

A Rho-quinase atua fosforilando a subunidade regulatória (ou subunidade M) da MLCP, a MYPT1. Em particular, a fosforilação de MYPT1 nos resíduos Ser507, Thr853/850 e Thr696/695 medeia a inibição da atividade de MLCP e, portanto, a inibição do relaxamento do músculo liso das vias aéreas.13 Além disso, a fosforilação do MYPT1 em Ser965, Ser696 e Ser852 também é observada no músculo liso das vias aéreas. Essa fosforilação inibindo a MLCP promove assim o estado fosforilado da MLC4 e, consequentemente, a contração do músculo liso. – é a sensibilização ao Ca2+. (Figura 1) A via de sensibilização ao Ca2+ leva à contração máxima sem levar em conta a concentração intracelular de Ca2+, pela regulação do estado de fosforilação da MLC pela MLCP.5

3 – A ativação da proteína quinase C (PKC) pelo diacilglicerol (DAG) leva à fosforilação da proteína inibidora da fosfatase potencializada pela proteína quinase C de 17 kDa (CPI-17), que se liga à subunidade catalítica da MLCP, e desativa a MLCP,2,14 impedindo a desfosforilação da MLC — outra via da sensibilização ao Ca2+.

Além do IP3, a liberação de Ca2+ do SR também é estimulada pela ativação do CD38 induzida por agonistas, produzindo ADP-ribose cíclica (ADPRc) que, presumivelmente, interage com receptores de rianodina (RyR). Com base nos dados acumulados na literatura, parece que a sinalização CD38/cADPR é uma via comum de regulação do cálcio intracelular para uma variedade de agonistas.


CD38 é uma glicoproteína monomérica, de 46 kDa, tipo II, com cauda citoplasmática curta no terminal NH2 e em uma única região que atravessa a membrana e um longo domínio catalítico extracelular no terminal COOH.15 É uma proteína bifuncional e possui atividades de ADP-ribosil ciclase e cADPR hidrolase.16,17 Nas células musculares lisas das vias aéreas, o CD38 está associado à membrana plasmática. ADP-ribosil ciclase converte ß-NAD em cADPR. cADPR é convertido em ADPR pela hidrolase cADPR. (Figura 2)

 

Estudos em células musculares lisas forneceram evidências de que a liberação de cálcio através dos canais do receptor de rianodina (RyR) é sensibilizada não apenas pelo cálcio, mas também pelo cADPR.18,19 A atividade mobilizadora de cálcio do cADPR contribui para respostas de cálcio intracelular induzidas por agonistas no músculo liso das vias aéreas. CD38 é a principal fonte de síntese de cADPR no músculo liso das vias aéreas. O mecanismo pelo qual a estimulação do receptor acoplado à proteína G provoca a ativação do CD38 e a produção de cADPR não está perfeitamente compreendida, assim como o processo pelo qual o cADPR, gerado extracelularmente, entra na célula para provocar a liberação de cálcio intracelular.20

Além disso, esta via reguladora do cálcio contribui para alterações na homeostase do cálcio brônquico induzidas por citocinas inflamatórias e TH2, sugerindo um papel na patogênese da hiper-responsividade brônquica.

A GTPase Rac1 monomérica não desempenha um papel direto na contração das células musculares lisas das vias aéreas. Atua também em funções celulares importantes no citoesqueleto, na montagem correta da actina, como formação de lamelipódios, motilidade e migração que incluem células musculares lisas.21 Entretanto, a ativação de Rac1 é responsável pelo aumento induzido por broncoconstritor no Ca2+ intracelular, concentração e contração tanto em células musculares lisas brônquicas murinas quanto humanas, através de sua associação com PLC e estimulação da produção de IP3. A relevância desta via de sinalização em células de músculo liso de vias aéreas foi destacada ao demonstrar que Rac1 era superativado em células de músculo liso de vias aéreas de pacientes asmáticos, bem como em células de músculo liso de vias aéreas de camundongos desenvolvendo asma alérgica.22

Referências

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