Informações Médicas

Home Versão em PDF
Copyright © 1997 - 2024 Dr. Pierre d'Almeida Telles Filho

Asma Brônquica

Resposta Tardia da Asma

MACRÓFAGOS

Macrófagos são células migratórias que se desenvolvem a partir de monócitos. Eles deixam a circulação para se diferenciar em diversos tecidos, dentre eles os pulmões. São grandes células fagocíticas mononucleares, que participam de respostas imunes inatas e adaptativas e, portanto, desempenham um papel crítico na defesa do hospedeiro. Os macrófagos são capazes de detectar produtos de bactérias e outros microrganismos usando um sistema de receptores de reconhecimento, como os receptores Toll-like (TLRs). Esses receptores podem se ligar especificamente a diferentes componentes patogênicos como açúcares (LPS), RNA, DNA ou proteínas extracelulares.

Os macrófagos são as células numericamente mais abundantes na luz brônquica, tanto em indivíduos normais como em asmáticos, descendentes dos CD34+. A localização anatômica dos macrófagos alveolares (MAs) e suas funções sugerem que eles são capazes de manter a homeostase nas vias aéreas. Apresentam um repertório funcional diversificado, por um lado eles lutam contra patógenos ativando múltiplas vias imunológicas e servem como primeira linha de defesa, enquanto, por outro, manifestam uma resposta anti-inflamatória para proteger o dano excessivo dos tecidos. Essa resposta anti-inflamatória é observada em vários estudos também em asmáticos. Estas mesmas células liberam uma grande variedade de mediadores que induzem a inflamação e remodelamento, incluindo enzimas (lisozima, colagenase e elastase), eicosanoides (leucotrienos LTB4 e LTC4) e fatores de crescimento.

São três as classes de macrófagos anteriormente identificadas no tecido pulmonar: macrófagos brônquicos (MBs), macrófagos alveolares (MAs) e macrófagos intersticiais (MIs). Os MBs são isolados no escarro induzido,1,2 enquanto que os MAs são encontrados na luz dos alvéolos, atuando no mecanismo de defesa inato inespecífico. Os MIs no interstício ajudam na resposta imune específica,3-5 como células apresentadoras de antígenos.

Os macrófagos infiltram a mucosa brônquica e apresentam marcadores de membrana dos monócitos, pois são monócitos que migraram para os tecidos. A proteína quimiotática dos monócitos derivados de MA-1 tem um papel significativo no recrutamento de monócitos para o tecido inflamado.6 Expressam em pacientes com asma muitos marcadores de superfície, detectados por citometria de fluxo, incluindo CD16, CD18, CD32, CD44, antígeno leucocitário humano (HLA) Classe I, e os HLA Classe II – HLA-DR e HLA-DQ.7  Existe uma forte correlação entre o número de células HLA-DR positivas e o grau de hiper-responsividade brônquica.

Normalmente os MBs são células com poucas características de células apresentadoras de antígenos (APCs), e suprimem as respostas proliferativas das células T, possivelmente via liberação de citocinas, como o antagonista de receptor IL-1[ra]. Na asma, entretanto, existem fortes evidências de redução desta ação após exposição a alérgenos,8,9 encontrando-se reduzida a expressão do IL-1[ra] no epitélio das vias aéreas.10 Tanto o GM-CSF como o IFN-γ aumentam a habilidade dos macrófagos em apresentar alérgenos e expressar HLA-DR.11 A IL-1 cuja fonte principal nas vias aéreas é o macrófago, induz à secreção de muco, é fundamental na ativação de linfócitos T, e é um importante coestimulador da expansão de células TH2 pós-apresentação de antígenos.12 Os MBs podem constituir-se em uma importante fonte de citocinas, como a IL-1, o TNFa e a  IL-6, que podem ser liberadas após exposição aos alérgenos via receptores IgE de baixa afinidade (FceRII). Estas citocinas podem atuar sequencialmente sobre  as células epiteliais que passam a liberar outras citocinas como GM-CSF, IL-8 e RANTES, as quais por sua vez amplificam a resposta inflamatória, conduzindo ao influxo de outras células  como os eosinófilos, os quais também passam a liberar múltiplas citocinas. Produzem ainda altos níveis de óxido nítrico (NO). Os macrófagos têm sido tradicionalmente descritos como supressores da inflamação alérgica, primariamente através de sua secreção de citocinas TH1 tais como a IL-12.

Tanto os MAs como os MBs que atuam como células apresentadoras de antígenos (APCs) exibem receptores de membrana que se ligam à IgG e IgE interagindo desta forma com os alérgenos, ativando-os e liberando mediadores.13 Secretam mediadores na inflamação aguda como o TXA2, PGE2, PAF, LTB4, LTD4, 5-HETE, ânion superóxido (SO) e a IL-6 após teste de provocação alérgica.8 Na inflamação crônica secretam citocinas como a IL-1, IL-8, IL-10, TNFa, MIP-1a,  GM-CSF, PDGF (platelet-derived growth factor), EAF (eosinophil-activating factor) e IFN-γ.14

A IL-10 é um fator inibidor de citocinas com ação inibitória sobre a inflamação. A IL-10 é produzida pelos linfócitos TH1 e TH2,15,16 pelos monócitos e pelos macrófagos, sua fonte principal nas vias aéreas. A IL-10 atua inibindo a produção de citocinas por fagócitos mononucleares, células natural killer e linfócitos TH2. Recentes observações sugerem que a baixa produção de IL-10 pelos macrófagos em asmáticos possa permitir uma maior liberação de citocinas pró-inflamatórias, contribuindo desta forma para a inflamação das vias aéreas destes pacientes. Calhoum et al.17 acreditam que ocorra uma deficiência seletiva de IL-10 em asmáticos, pela baixa produção desta citocina pelos macrófagos e que o GM-CSF participe desta downregulation. Esta anomalia é encontrada somente em asmáticos alérgicos, estando a produção de IL-10 preservada ou mesmo aumentada em pacientes com rinite alérgica. Outra possível participação dos MAs na asma é a sua participação na fibrose subepitelial peribrônquica, com atuação no remodelamento brônquico.18

Os MAs facilitam o recrutamento de neutrófilos ativados para o espaço alveolar.19 Os neutrófilos ativados têm um tempo de vida inflamatório curto, pois são programados para se submeterem à apoptose constitutiva dentro de poucas horas após a ativação.20 Os neutrófilos apoptóticos são reconhecidos e fagocitados pelos MAs.21Este processo em si ajuda a resolver a inflamação pulmonar, primeiro evitando o derrame de conteúdos intracelulares neutrofílicos tóxicos e, em segundo lugar, induzindo à produção de IL-10. No entanto, a capacidade fagocítica paralisada de MAs é observada em indivíduos asmáticos, o que amplifica ainda mais a inflamação por não limpar eficientemente as células que estão morrendo. A downregulation de CD16 e CD64 foi observada em MBs isoladas de indivíduos asmáticos, em comparação com indivíduos saudáveis. O CD16 e o CD64 medeiam a atividade fagocítica dos MBs, a sua fraca expressão resulta em comprometimento da atividade fagocitária dos MBs.22,23

Em 2020, Hume et al. utilizando o método de estereologia design-based quantificou MAs (por ele denominado de Macrofágos dos espaços Aéreos) e MIs no tecido pulmonar a um nível de precisão não disponível anteriormente. Além da quantificação geral de MAs e MIs, os autores discriminaram ainda mais os macrófagos quanto à localização específica no tecido. Por exemplo, dos macrófagos localizados no 'espaço aéreo', 95% se situavam nos espaços alveolares, enquanto 5% nas vias aéreas.24 Os MAs são facilmente recuperáveis dos espaços aéreos via BAL e, portanto, têm sido bem estudados.25 Os MIs foram divididos naqueles que ocupam os septos alveolares com agrupamentos menores identificados em torno de vasos e vias aéreas, respectivamente. A densidade tecidual local dos MIs é maior nos septos alveolares (78%), sendo que os MIs também são facilmente localizados nas proximidades das pequenas vias aéreas, 14% em torno de pequenos vasos e 7% em torno das vias aéreas.

A autofagia tem sido implicada no desenvolvimento e progressão da asma e exibe papeis protetores e prejudiciais tanto na inflamação quanto na remodelação alérgica das vias aéreas.26 Autofagia é um processo celular pelo qual as células digerem partes de si mesmas para reciclar componentes danificados ou obsoletos e obter energia em momentos de estresse ou privação de nutrientes, desempenhando um papel importante na manutenção da homeostase metabólica dentro das células.27

Os macrófagos são células imunes inatas e desempenham um papel crítico na vigilância imunológica e no desenvolvimento de respostas imunes inatas e adaptativas na asma.28 Alguns estudos sugerem que a autofagia nos macrófagos pode afetar a resposta imunológica nas vias aéreas. Quando a autofagia está desregulada, os macrófagos podem liberar sinais inflamatórios que podem agravar a inflamação e a resposta imunológica nas vias aéreas, contribuindo para os sintomas da asma.

Por outro lado, a autofagia também pode ter um efeito positivo, pois ajuda a eliminar resíduos celulares e reduzir a inflamação excessiva. Portanto, o equilíbrio adequado da autofagia nos macrófagos é crucial para modular a resposta imunológica nas vias aéreas e possivelmente influenciar o desenvolvimento e a gravidade da asma. Essa modulação é importante. Macrófagos com fenótipos distintos são detectados em pacientes com asma, p. ex.: os M1 secretam fatores pró-inflamatórios que agravam a inflamação e o dano tecidual; enquanto os macrófagos M2c exibem efeito anti-inflamatório devido à maior expressão de IL-10 e iniciam a resolução da inflamação e o reparo tecidual das vias aéreas pela liberação de IL-10.29

Em resumo, a autofagia dos macrófagos desempenha um papel complexo na asma, afetando a resposta imunológica e a inflamação nas vias aéreas. A compreensão desses mecanismos pode levar a novas abordagens terapêuticas para o tratamento da asma, visando a modular a autofagia para melhorar o controle da inflamação e dos sintomas.

Referências

01.Pizzichini E, Pizzichini MM, Leigh R, Djukanovic R, Sterk PJ. Safety of sputum induction. Eur Respir J Suppl 2002; 37:9s–18s

02.Moniuszko M, Bodzenta-Lukaszyk A, Kowa K, Dabrowska M. Bronchial macrophages in asthmatics reveal decreased CD16 expression and substantial levels of receptors for IL-10, but not IL-4 and IL-7. Folia Histochem Cytobiol 2007; 45:181–189.

03.Franke-Ullmann G, Pförtner C, Walter P, Steinmüller C, Lohmann-Matthes ML, Kobzik L. Characterization of murine lung interstitial macrophages in comparison with alveolar macrophages in vitro. J Immunol 1996; 157:3097–3104.

04.Prokhorova S, Lavnikova N, Laskin DL. Functional characterization of interstitial macrophages and subpopulations of alveolar macrophages from rat lung. J Leukoc Biol 1994; 55:141-6.

05.Fathi M, Johansson A, Lundborg M, Orre L, Sköld CM, Camner P. Functional and morphological differences between human alveolar and interstitial macrophages. Exp Mol Pathol 2001; 70:77-82.

06.Brieland JK, Jones ML, Clarke SJ, Baker JB, Warren JS, Fantone JC. Effect of acute inflammatory lung injury on the expression of monocyte chemoattractant protein-1 (MCP-1) in rat pulmonary alveolar macrophages. Am J Respir Cell Mol Biol 1992; 7:134-9.

07.Viksman MY, Liu MC, Bickel CA, Schleimer RP, Bochner BS. Phenotypic analysis of alveolar macrophages and monocytes in allergic airway inflammation. I. Evidence for activation of alveolar macrophages, but not peripheral blood monocytes, in subjects with allergic rhinitis and asthma. Am J Respir Crit Care Med 1997; 155:858-63.

08.Spiteri M, Knight RA, Jeremy JY, Barnes PJ, Chung KF. Alveolar macrophage-induced supression of T-cell hiper-responsiveness in bronchial asthma is recersed by allergen exposure. Eur Resp J 1994; 7:1431-8.

09.Aubus P, Cosso B, Godard P, Miche FB, Clot J. Decreased supressor cell activity of alveolar macrophages in bronchial asthma. Am Rev Respir Dis 1984; 130:875-8.

10.Sousa AR, Lane SJ, Nakhosteen JA, Lee TH, Poston RN. Expression of interleukin-1 receptor antagonist (IL-1ra) on asthmatic bronchial epitelium. Am J Respir Crit Care Med 1996; 154:1061-6.

11.Fischer HG, Frosch S, Reske K, Reske-Kunz AB. Granulocyte-macrophage colony-stimulating factor activates macrophages derived from bone marrow cultures to synthesis of MHC class II molecules and to augmented antigen presentation function. J Immunol 1988; 141:3882-8.

12.Chang TL, Shea CH, Urioste S, Thompson RC, Boom WH, Abbas AK. Heterogenity of helper/inducer T lymphocytes: lymphokine production and lymphokine responsiveness. J Immunol 1990; 145:2803-8.

13.Arnoux B, Joseph M, Simoes MH, Tonnel AB, Duroux P, Capron A, Benveniste J. Antigenic release of paf-acether and beta-glucoronidase from alveolar macrophages of asthmatics. Bull Eur Physiopathol Respir 1987; 23:119-24.

14.Lane SJ, Sousa AR, Lee TH. The role of the macrophage in asthma. Allergy 1994; 49:201-9.

15.Yssel H, De Waal Malefyt R, Roncarolo MG, Abrams JS, Lahesmaa R, Spits H, de Vries JE. IL-10 is produced by subsets of human CD4+ T-cell clones and peripheral blood T-cells. J Immunol 1992; 149:2378-84.

16.Del Prete G, De Carli M, Almerigogna F, Giudizi MG, Biagiotti R, Romagnani S. Human IL-10 is produced by both type 1 helper (TH1) and type 2 (TH2) T cell clones and ihibits their antigen specific proliferation and cytokine production. J Immunol 1993; 150:353-60.

17.Calhoum WJ, Hinton KI, Brick JJ, Sharma AJ, Rosen S. Spontaneous and stimulated IL-10 release by alveolar macrophages (AM) but not blood monocytes (BM) is reduced in allergic asthmatics (AA). Am J Respir Crit Care 1996; 153:A881.

18.Roche WR, Beasley R, Williams JH, Holgate ST. Subepithelial fibrosis in the bronchi of asthmatics. Lancet 1989; 1(8637):520-4.

19. Nomura H, Sato E, Koyama S, Haniuda M, Kubo K, Nagai S, Izumi T. Histamine stimulates alveolar macrophages to release neutrophil and monocyte chemotactic activity . J. Lab. Clin. Med 2001; 138:226–35.

20.Simon, H.U. Neutrophil apoptosis pathways and their modifications in inflammation . Immunol Rev 2003; 193:101–110.

21.Rubins, J.B. Alveolar macrophages: wielding the double-edged sword of inflammation. Am J Respir Crit Care Med 2003; 167:103–104.

22.Alexis NE, Soukup J, Nierkens S, Becker S. Association between airway hyperreactivity and bronchial macrophage dysfunction in individuals with mild asthma. Am J Physiol Lung Cell Mol Physiol 2001; 280:369–L375.

23.Jiang Y, Beller DI, Frendl G, Graves DT. Monocyte chemoattractant protein-1 regulates adhesion molecule expression and cytokine production in human monocytes. J Immunol 1992; 148:2423–2428.

24.Hume PS, Gibbings SL, Jakubzick CV, Tuder RM, Curran-Everett D, Henson PM, et al. Localization of macrophages in the human lung via design-based stereology. Am J Respir Crit Care Med 2020; 201:1209–1217.

25.Lehnert BE, Valdez YE, Holland LM. Pulmonary macrophages: alveolar and interstitial populations. Exp Lung Res 1985; 9:177–190.

26.Theofani E, Xanthou G. Autophagy: A Friend or Foe in Allergic Asthma? Int J Mol Sci 2021 Jun 12;22(12):6314.

27.Wang L, Yuan X, Li Z, Zhi F. The Role of Macrophage Autophagy in Asthma: A Novel Therapeutic Strategy. Mediators Inflamm 2023 May 4;2023:7529685.

28.van der Veen TA, de Groot LES, Melgert BN. The different faces of the macrophage in asthma. Curr Opin Pulm Med 2020; 26:62-68.

29.Jiang Z, Zhu L. Update on the role of alternatively activated macrophages in asthma. J Asthma Allergy 2016; 9:101–7.