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Asma Brônquica

ASMA E COVID-19

As infecções virais têm sido implicadas como importante fator tanto no desenvolvimento da asma como na indução de suas exacerbações.1 A associação entre infecção viral e episódios agudos de asma foi, pela primeira vez, mencionada durante as epidemias de gripe de 1957 e 1958.2,3 Novamente, os pacientes se confrontam, desta feita, com a pandemia da SARS-CoV-2, que, sabemos, pode também induzir à sua exacerbação com consequências na morbimortalidade.

A doença pelo coronavírus 2019 (COVID-19) foi reconhecida em dezembro de 2019,4 sendo rapidamente demonstrada ser causada por um novo coronavírus estruturalmente relacionado ao vírus que causa a síndrome respiratória aguda grave, o SARS-coronavírus 2 (SARS-CoV-2). Como as anteriores dos anos de 2002/2003 e a síndrome respiratória do Oriente Médio (MERS) em 2012, a COVID-19 apresenta desafios à comunidade médica e à comunidade científica, pois a sua rápida propagação evoluiu para uma grave pandemia em março de 2020.

No início da infecção, o SARS-CoV-2 atinge células, como células epiteliais nasais e brônquicas e pneumócitos tipo II, através da estrutura viral – a proteína spike (S) – que se liga ao receptor da enzima conversora da angiotensina 2 (ECA2) (Figura 1).5-8 A serina transmembranar tipo 2 (TMPRSS2), presente na célula hospedeira, promove a captação viral por clivagem da ECA2 e ativação da proteína S do SARS-CoV-2 e medeia a fusão da membrana viral e da célula hospedeira do epitélio respiratório.8 A TMPRSS2 é uma protease transmembranar que modifica proteínas spike em vários vírus – incluindo SARS-CoV, SARS-CoV-2, MERS-CoV e Influenza A e B – para promover infecção viral e a sua disseminação.8

As evidências atuais não sugerem especificamente que os pacientes com asma tenham um risco maior de adquirir COVID-19 e revisões contínuas não mostraram um risco aumentado de COVID-19 grave em indivíduos com asma leve a moderada bem controlada,9 embora as estatísticas demonstrem que pacientes com pneumopatias crônicas (DPOC) tenham maior possibilidade de sofrer complicações graves devido às infecções por COVID-19.10

É importante continuar com as estratégias para manter um bom controle dos sintomas e reduzir o risco de exacerbações graves através do uso dos corticoides inalados (CI) utilizados no tratamento regular da asma brônquica. O CI está associado à expressão reduzida da ECA2. A menor expressão de ECA2 e TMPRSS2, com uso de CI, justifica mais estudos prospectivos de uso de CI como uma droga capaz de promover menor suscetibilidade à infecção por SARS-CoV-2 e menor morbidade por COVID-19.11,12 Por outro lado, o risco de morte por COVID-19 foi evidenciado em pessoas que recentemente necessitaram de corticoide oral para tratar a asma13,14 e em pacientes hospitalizados por asma grave.15

Estudo de Peters et al.11 analisando amostras de escarro induzido de asmáticos graves observaram que não havia diferença significativa na expressão gênica da ECA2 no escarro de pacientes com asma e de indivíduos saudáveis, sugerindo que os pacientes com asma podem não ter um risco aumentado da COVID-19. No entanto, os asmáticos apresentavam expressão aumentada da molécula de adesão ICAM-1. A ICAM-1 é considerada o maior receptor humano para o rinovírus, e a sua ligação à ICAM-1, em diferentes tipos de células, determina a ativação de vários tipos de citocinas. Além disso, a maior expressão da própria ICAM-1 em células adjacentes favorece a adesão e a disseminação do vírus, provocando sintomas mais prolongados nas vias aéreas inferiores e graves exacerbações em pacientes com asma. Na publicação, os piores resultados foram relatados em pacientes com asma afro-americanos e naqueles com histórico de diabetes mellitus em associação a uma expressão elevada de mRNA de ECA2 e TSMPRSS2 no escarro induzido. Por último, o uso do CI em indivíduos asmáticos estava associado, de forma dependente da dose, à redução da expressão de mRNA de ECA2 e TMPRSS2.

Quanto à conduta de tratamento da asma frente à COVID-19, os pacientes devem continuar usando os medicamentos habituais por inalação para o controle da doença. Portanto, não devem interromper o tratamento com os CIs,12 pois a interrupção pode levar ao agravamento da asma. Atualmente, não há evidências de relação entre o uso de CIs e a infecção pela COVID-19. Os CIs são geralmente considerados um tratamento seguro e de primeira linha para o controle dos sintomas. Evidências de uma revisão sistemática de 2013 de sete ensaios clínicos randomizados demonstraram que o risco relativo (RR) de exacerbação da asma em pacientes que interromperam os CIs em comparação com aqueles que continuaram a usar foi de 2,35 (IC95%, 1,88 – 2,92; p < 0,001; I (2) = 0%), com seguimento médio de 27 semanas. Os CIs quando tomados, conforme prescrito, reduziriam o risco de exacerbação da asma a ser desencadeada por um vírus respiratório como o da COVID-19.16,17 Há incerteza sobre se a prescrição de doses mais altas aumenta os riscos de pneumonia. Na eventualidade de exacerbações da doença, mesmo pela COVID-19, a terapêutica sistêmica com corticoide deverá ser prescrita, para se evitar consequências graves.

Deve ser enfatizada a necessidade para que todo o paciente disponha de um plano de ação por escrito com orientações sobre como gerenciar sua doença durante a infecção pela COVID-19. Desta forma, se reduz o contato interpessoal, devendo a triagem ser efetuada através de contato remoto, antes das consultas presenciais, para se constatar se os pacientes apresentam sintomas de COVID-19.

Os testes de função pulmonar não são indicados nos pacientes confirmados ou suspeitos, bem como nos pacientes ambulatoriais de rotina por questões de disseminação,18 como resultado da tosse e formação de gotículas durante os testes. Entretanto, o uso de um filtro em linha minimiza o risco de transmissão durante a espirometria, mas muitos pacientes tossem após realizar a espirometria; instruir o paciente a permanecer no bocal se sentir a necessidade de tossir.9

Se a espirometria não estiver disponível devido a restrições locais de controle de infecção e forem necessárias informações sobre a função pulmonar, considere pedir aos pacientes que monitorem a função pulmonar em casa — através da medida do Pico de Fluxo Expiratório (PFE).

As nebulizações devem ser substituídas pois o SARS-CoV-2 demonstrou ser viável em aerossóis por até 3 horas.19 Utilizar sprays com espaçadores ou inaladores de pó para a administração de corticoides e broncodilatadores a fim de reduzir o risco de disseminação de partículas virais. A recomendação para se evitar nebulização se aplica a todos os pacientes, não apenas àqueles que tenham confirmada COVID-19 ou sejam suspeitos.18

Em 20/12/2020 a GINA Global Strategy for Asthma Management and Prevention publicou o "Interim guidance about COVID-19 and asthma" cuja transcrição adaptada publicamos abaixo.20,9

  • Pessoas com asma não apresentam risco aumentado de adquirir COVID-19
    As revisões sistemáticas não mostraram um risco aumentado de COVID-19 em pessoas com asma.
    No geral, os estudos até o momento indicam que pessoas com asma bem controlada não apresentam risco aumentado de morte relacionada ao COVID-19.13,14
     
    Dados baseados em uma meta-análise, indicaram que a asma estava significativamente relacionada a um risco reduzido de mortalidade por COVID-19, parecendo ser menor do que em pessoas sem asma.21
     
    Em 2020–21, muitos países constataram diminuição nas exacerbações de asma e doenças relacionadas à gripe. As razões parecem ter sido decorrentes de lavagem das mãos, máscaras e distanciamento social / físico que reduziram a incidência de outras infecções respiratórias, incluindo a gripe.22 Como resultado, muitos países observaram uma redução na asma e nas exacerbações da DPOC.

     

  • Um grande estudo descobriu que, em geral, as pessoas com asma não apresentam risco aumentado de morte relacionada à COVID-19
    No entanto, o risco de morte de COVID-19 aumentou para pacientes com asma que necessitaram de corticoide oral para se tratar.13,14
    Portanto, é importante continuar a cuidar regularmente da asma (conforme descrito no relatório GINA), com estratégias para manter exposição reduzida a gatilhos e melhor adesão à medicação para um bom controle dos sintomas, reduzir o risco de exacerbações graves e minimizar a necessidade de corticoides orais.
  • Aconselhe os pacientes a continuar a tomar seus medicamentos prescritos para asma, principalmente os corticoides inalados
    Para pacientes com asma grave, continue o tratamento com biológicos ou corticoide oral, se prescritos.
  • Certifique-se de que todos os pacientes tenham um plano de ação por escrito para a asma, aconselhando-os a:
  • Aumentar a medicação de controle e de alívio quando a asma agravar (ver relatório GINA 2022).
     
    Fazer um curto curso de corticoide oral quando apropriado para exacerbações graves de asma.
  • Evite nebulizadores, sempre que possível, para reduzir o risco de propagação do vírus
    O Inalador pressurizado - suspensão aerossol (spray) através de um espaçador é preferível, exceto para exacerbações na asma grave aguda.
     
    Adicione um bocal ou máscara ao espaçador, se necessário.
  • Evite espirometria em pacientes com COVID-19 se houver suspeita ou confirmação de transmissão da COVID-19 já ocorrendo em sua região
    Siga as precauções de aerossol, gotículas e contato se a espirometria for necessária. O uso de um filtro em linha minimiza o risco de transmissão durante a espirometria, mas muitos pacientes tossem após realizar a espirometria; instrua o paciente a permanecer no bocal se sentir a necessidade de tossir.
     
    Considere pedir aos pacientes para monitorar o PFE em casa se forem necessárias informações sobre a função pulmonar.
  • Seguir procedimentos estritos de controle de infecção se procedimentos de geração de aerossol forem necessários
    Nebulização, oxigenoterapia (incluindo cateter nasal), indução de escarro, ventilação manual, ventilação não invasiva e intubação.
  • Siga os conselhos de saúde locais sobre estratégias de higiene e uso de equipamentos de proteção individual, conforme novas informações se tornem disponíveis em sua região
  • Vacinação contra Influenza

    Lembre os pacientes com asma de anualmente se vacinarem contra a gripe.

  • Vacinação COVID-19
    As vacinas adotadas no Brasil – Astrazeneca/Oxford (Fiocruz), Pfizer (BioNTech), Janssen (Johnson & Johnson), CoronaVac (Butantan) – e aquelas com autorização para importação excepcional [Covaxin (Bharat Biontech), Sputnik (União Química)] – devem ser administradas em pacientes com asma em um ambiente de saúde onde a anafilaxia, se ocorrer, possa ser tratada. Essas vacinas não devem ser administradas em pacientes com histórico de reação alérgica grave ao polietilenoglicol, ou qualquer outro ingrediente de vacina. A vacinação deve ser adiada se o paciente apresentar febre ou outra infecção, até que esta se resolva. Mais detalhes do Advisory Committee on Immunization Pratices (ACIP) estão aqui.
     
    Em geral, as reações alérgicas às vacinas são raras.
     
    Como sempre, os pacientes devem falar com seu médico se tiverem dúvidas.
  • Precauções antes de se aplicar a vacina
    Pergunte se o paciente tem histórico de alergia a algum componente da vacina.
    Se o paciente tiver febre ou outra infecção, adie a vacinação até que esteja bem.
    Na atualidade não há impedimento para que a vacina contra a gripe Influenza e a vacina COVID-19 possam ser administradas no mesmo dia.
  • No momento, com base nos riscos e benefícios, e com a cautela acima, a GINA recomenda a vacinação COVID-19 para pacientes com asma

     

  • A GINA atualizará essas declarações conforme novos dados se tornem disponíveis

Referências

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