Informações Médicas

Home Versão em PDF
Copyright © 1997 - 2024 Dr. Pierre d'Almeida Telles Filho

Asma Brônquica

TIPOS DE ASMA

ASMA VARIANTE COM TOSSE ou Variante Tussígena da Asma

A tosse geralmente não produtiva é quase que constante na asma em todos os grupos etários. A asma constitui-se na causa mais comum de tosse crônica em crianças de qualquer idade. Pode ser a única manifestação da asma em mais de 57% dos casos,1 ocorrendo principalmente à noite ou durante a madrugada, durante o exercício ou quando a criança chora ou grita.

Na criança a tosse pode ser o sintoma mais precoce da doença, visto que a asma não é diagnosticada, às vezes por anos, especialmente se a obstrução brônquica nunca se manifesta de forma intensa o suficiente para gerar oscilações, decorrentes da aceleração e turbilhonamento do ar, nas paredes de brônquios pequenos e estreitados, o que  produz manifestações acústicas como os roncos e sibilos, sinais preponderantes da doença.2,3

Os receptores da tosse nas vias aéreas estão situados tanto na mucosa brônquica como no músculo liso peribrônquico. São encontrados, entretanto, em menor quantidade na periferia, nas pequenas vias aéreas aonde se apresentam mais esparsos (Figura 1). Em decorrência da inflamação, quantidades aumentadas de mediadores localmente liberados aumentam a sensibilidade do receptor da tosse, podendo esta, ser a razão pela qual estes pacientes apresentem esta sintomatologia.

Supõem-se que a patogênese da tosse na asma envolva a estimulação de nervos sensibilizados das vias aéreas inferiores. Após a estimulação dos receptores da tosse, impulsos nervosos aferentes são conduzidos pelo vago e talvez por seus ramos (nervo de Arnold, da faringe, da laringe etc.) até o centro da tosse, na medula oblongata no cérebro. Impulsos originados dos receptores traqueobrônquicos são transmitidos pelos ramos pulmonares ipsilaterais do vago. Os impulsos eferentes do reflexo da tosse são transmitidos da medula para o diafragma através do nervo frênico, para os músculos expiratórios pelos nervos motores espinhais, para a laringe através dos ramos laríngeo-recorrentes e para as vias aéreas pelo vago. O estímulo da tosse é diferente daquele da broncoconstrição,4 sendo que a tosse não é necessariamente dependente da broncoconstrição5 ou do grau de hiper-responsividade brônquica.6

Acredita-se que a tosse seja decorrente do aumento da resistência ao fluxo nas vias aéreas centrais, onde os receptores da tosse são mais abundantes, mais concentrados nas bifurcações onde também se encontram as aberturas dos ductos das glândulas brônquicas submucosas.  McFadden7 descreveu dois grupos de pacientes asmáticos, o primeiro só com tosse e o outro com dispneia aos esforços. No grupo da tosse, a obstrução era principalmente em grandes vias aéreas, enquanto que no grupo cujo sintoma dominante era a dispneia ocorria obstrução em pequenas vias aéreas, onde os receptores de tosse são mais raros.

Quando a tosse crônica é a única manifestação da asma brônquica, esta recebe a denominação de "asma variante" ou "asma variante com tosse", termos introduzidos por Glauser8 em 1972.  Irwin et al. em dois estudos  prospectivos sobre tosse crônica em adultos, detectaram a tosse como o único sintoma de asma em 28% e 57% respectivamente.9,10 Esta entidade foi melhor definida em 1979 por Corrao et al.11 que descreveram seis pacientes com tosse crônica e hiper-responsividade brônquica, porém sem obstrução ao fluxo aéreo, sem dispneia ou sibilos e sem história de asma no passado que, entretanto, respondiam à medicação antiasmática, com recorrência da doença, após a sua interrupção.

Desde que nem tudo que sibila é asma,12 e desde que a presença de hiper-responsividade brônquica pode falsamente predizer que a asma é a causa da tosse, o diagnóstico de asma como causa da tosse requer: a) que a tosse responda à terapia específica para asma e b) que a evolução clínica subsequente do paciente seja compatível com asma. Isto significa que o diagnóstico de asma variante não pode ser efetuado, por exemplo, em um paciente que tenha apresentado um quadro infeccioso respiratório recente, no qual a tosse e a hiper-responsividade brônquica sejam transitórias e auto-limitadas.

Posteriormente o termo "asma com predomínio de tosse" foi proposto por Pratter et al.,13 para qualificar a asma clássica em que a tosse não estava dissociada das outras formas de expressão da doença, como a dispneia e a obstrução ao fluxo aéreo, ocorrendo, entretanto, predomínio deste sintoma.

Todos os adultos e crianças com tosse crônica podem ser avaliados quanto à inflamação eosinofílica. A eosinofilia do escarro é talvez o indicador mais preciso, mas não está disponível rotineiramente, consome tempo e requer interpretação especializada. A eosinofilia no sangue é uma medida simples e facilmente disponível. Uma contagem de eosinófilos ≥ 300 células / µL pode ser utilizada para indicar inflamação eosinofílica das vias aéreas.14

Sobre o ponto de vista histopatológico Niimi et al.15 confirmaram a presença de inflamação eosinofílica na asma variante com tosse. Uma outra patologia descrita em adultos por Gibson et al.,16 a bronquite eosinofílica (BE),  apresenta-se também com infiltrado inflamatório da submucosa das vias aéreas inferiores, com achados histopatológicos muito semelhantes aos da asma.  Da mesma forma que a asma, a inflamação brônquica da BE está associada ao aumento da liberação de mediadores vasoativos e broncoconstritores.17 Embora a análise do escarro geralmente evidencie eosinófilos e células metacromáticas similares àquelas vistas na asma, esta condição clínica é diferente da asma porque não está associada à hiper-responsividade brônquica nem à variabilidade do PFE, apresentando-se com provas de função pulmonar normais. Ambas as doenças apresentam grau similar de eosinofilia da submucosa, espessamento da membrana basal e da lâmina reticularis. Entretanto, o número de mastócitos triptase-positivos nas fibras musculares de pacientes com asma é substancialmente maior do que nas fibras de pacientes com bronquite eosinofílica.18 A BE é a causa de tosse crônica em mais de 13% dos casos.

Como a asma clássica e a asma variante com tosse, a bronquite eosinofílica responde aos corticoides veiculados por inalação e especialmente à corticoidoterapia sistêmica. A bronquite eosinofílica, entretanto, é resistente ao tratamento com broncodilatadores. O diagnóstico de bronquite eosinofílica pode ser descartado se no escarro induzido os eosinófilos constituam menos de 3% das células não-escamosas, ou se a tosse não cessa com o tratamento empírico com os corticoides. A tosse na bronquite eosinofílica é efetivamente controlada pelo tratamento com corticoide inalatório, mas pode seguir um curso crônico. Na Tabela 1 são apresentadas as principais características das três patologias responsivas aos corticoides e que se apresentam com forte componente de tosse crônica.

Tabela 1 – Características das Patologias com Forte Componente de Tosse Crônica

Diagnóstico
Variabilidade PFE
Hiper-responsividade
Eosinofilia Escarro
Asma Clássica
Sim
Sim
Sim
Asma Variante c/tosse
Não
Sim
Sim
Bronquiolite eosinofílica
Não
Não
Sim

 

Estudos longitudinais têm demonstrado que mais de um terço dos pacientes que apresentam a asma variante com tosse, posteriormente desenvolverão sibilância típica da asma clássica.19-21 Por outro lado, o desenvolvimento de sibilos ou hiper-responsividade brônquica é extremamente incomum na bronquite eosinofílica.22

Uma síndrome idêntica à asma variante com tosse ocorre em alguns pacientes com tosse decorrente de refluxo, presumivelmente, por aspiração de proteínas parcialmente digeridas do conteúdo gástrico, que causam reação TH2 nas vias aéreas, determinando inflamação e sintomas de asma.23 Nestes pacientes, a resposta aos corticoides por inalação pode ser virtualmente completa. Todavia, a história característica de tosse associada ao refluxo indica a origem da reação asmática. Nestes casos o tratamento com procinético antirrefluxo (refluxo não-ácido) ou com inibidor de bomba de prótons (refluxo ácido) pode melhorar a hiper-responsividade brônquica, reduzindo os sintomas independentes de qualquer tratamento anti-inflamatório das vias aéreas.

O receptor de tosse mais relacionado à asma é o receptor de capsaicina TRPV1 (Transient receptor potential vanilloid) que é modulado pela via da lipoxigenase, e, por isso, os antagonistas do receptor de leucotrienos apresentam um papel importante no tratamento da tosse na asma.23

Referências

01.Irwin RS, Corrao WM, Pratter MR. Chronic persistent cough in the adult: the spectrum and frequency of causes and successful outcome of specific therapy. Am Rev Respir Dis 1981; 123:413-417.

02.Bohadana AB. Sons pulmonares. J Pneumol 1984; 10:101.

03.Forgacs P. Lungs Sounds, Baililière, 1978.

04.Eschenbacher WL, Boushey HA, Sheppard D. Alteration in osmolarity of inhaled aerosols cause bronchoconstriction and cough, but absebce of a permeant anion causes cough alone. Am Rev Respir Dis 1984; 129:211-5.

05.Sheppard D, Rizk NW, Boushey HA, Bethel RA. Mechanism of cough and bronchoconstriction induced by distilled water aerosol. Am Rev Respir Dis 1983; 127:691-4.

06.Irwin RS, Rosen MJ, Braman SS. Cough: a comprehensive review. Arch Int Med 1977; 137:1186-91.

07.McFadden ER Jr. Exertional dyspnea and cough as preludes to acute attacks of bronchial asthma. N Engl J Med 1975; 292:555-9.

08.Glauser FL. Variant asthma. Ann Allergy 1972; 30:457-9.

09.Irwin RS, Pratter MR. The clinical value of pharmacologic bronchoprovocation challenge. Med Clin of North Am 1990; 74:767-78.

10.Irwin RS, Corrao WM, Pratter MR. Chronic persistent cough in the adult: the spectrum and frquency of causes and successful outcome of specific therapy. Am Rev Respir Dis 1981; 123:413-7.

11.Corrao WM, Braman SS, Irwin RS. Chronic cough as the sole presenting manifesation of bronchial asthma . N Engl J Med 1979; 300:633-7.

12.Pratter MR, Hingston DM, Irwin RS. Diagnosis of bronchial asthma by clinical evaluation: an unreliable method. Chest 1983; 84:42-7.

13. Pratter MR, Bartter T, Akers S, DuBois J. An algorithmic approach to chronic cough. Ann Intern Med 1993; 119:977-83.

14. Wagener AH, de Nijs SB, Lutter R, Sousa AR, Weersink EJ, Bel EH, Sterk PJ. External validation of blood eosinophils, FENO and serum periostin as surrogates for sputum eosinophils in asthma. Thorax 2015; 70:115–120.

15. Niimi A, Amitani R, Suzuki K, Tanaka E, Murayama T, Kuze F. Eosinophilic inflammation in cough variant asthma. Eur Respir J 1998; 11:1064-9.

16.Gibson PG, Dolovich J, Denburg J, Ramsdale H, Hargreave FE. Chronic cough: eosinophilic bronchitis without asthma. Lancet 1986; 1:1346-8.

17.Brightling CE, Ward R, Woltmann G, Bradding P, Sheller JR, Dworski R, Pavord ID. Induced sputum inflammatory mediator concentrations in eosinophilic bronchitis and asthma. Am J Respir Crit Care Med 2000; 162:878-82.

18.Brightling CE, Bradding P, Symon F, Holgate ST, Wardlaw AJ, Pavord ID. Mast-cell infiltration of airway muscle in asthma. N Engl J Med 2002; 346:1699-705.

19.Jansen DF, Rijcken B, Schouten JP, et al. The relationship of skin test positivity, high serum total IgE levels, and peripheral blood eosinophilia to symptomatic and asymptomatic airway hyperresponsiveness. Am J Respir Crit Care Med 1999; 159:924-31.

20.Braman SS, Corrao WM. Chronic cough. Diagnosis and treatment. Prim Care 1985; 12:217-25.

21. Koh YY, Jeong JH, Park Y, Kim CK. Development of wheezing in patients with cough variant asthma during an increase in airway responsiveness. Eur Respir J 1999; 14:302-8.

22. Hancox RJ, Leigh R, Kelly MM, Hargreave FE. Eosinophilic bronchitis. Lancet 2001; 358:1104.

23.Morice AH. Chronic cough: diagnosis, treatment and psycological consequences. Breathe 2006; 3:165-174.