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Asma Brônquica

TRATAMENTO DA ASMA

TRATAMENTO DAS EXACERBAÇÕES DA ASMA

As exacerbações da asma representam piora aguda ou subaguda dos sintomas e da função pulmonar em relação ao estado normal do paciente. São caracterizadas por sintomas progressivos, incluindo tosse, expectoração, sibilos e dispneia, devido ao aumento da inflamação e do broncospasmo. Elas podem ser desencadeadas pela exposição a alérgenos1 ou poluentes ambientais,2 entretanto, são mais frequentemente provocadas por infecções virais (especialmente pelo rinovírus).3 Em certas ocasiões se manifesta como o primeiro sinal da asma ou também como demonstração de baixa adesão ao tratamento de controle da doença.4

TRATAMENTO AIR/MART

A atualização de 2023 da GINA5 recomenda que seja fornecido um plano de ação aos pacientes com recomendações, dentre elas, que na eventualidade de exacerbações após a utilização do CI-formoterol regular, utilizar, conforme necessário, doses adicionais de CI-formoterol para alívio dos sintomas até um total máximo diário de 12 doses de budesonida-formoterol 200/6 mcg (ou oito doses de beclometasona-formoterol 100/6 mcg) em adultos e adolescentes com ≥ 12 anos. Os pacientes são instruídos a procurar ajuda médica se seus sintomas piorarem rapidamente ou permanecerem descontrolados por 2 a 3 dias.5

Entretanto, torna-se necessária ajuda médica urgente se a sintomatologia progredir rapidamente ou se persistir descontrolada por 2 a 3 dias, ou na eventualidade de seis inalações para alívio em curto espaço de tempo (para a budesonida-formoterol, em prazo de 1 a 2 horas).6

Os pacientes com exacerbações de asma brônquica na emergência, após avaliação através de exame físico, status cardiocirculatório, oximetria de pulso e PFE, devem ser tratados inicialmente com broncodilatador ß2-agonista de curta ação (SABA), que se constitui na droga de escolha nesta situação.

O objetivo do tratamento é induzir uma estimulação máxima dos receptores ß2 com poucos efeitos colaterais. As doses devem ser elevadas devido às características ventilatórias do paciente em crise, quando ocorre: aumento da frequência respiratória com baixo volume corrente, fluxos variáveis, má dispersão periférica da droga inalada devido ao estreitamento generalizado das vias aéreas.7,8 Acrescente-se que pacientes com asma severa apresentam uma redução de 41% na biodisponibilidade do salbutamol (a droga mais utilizada).8

Pacientes asmáticos que necessitam de tratamento em pronto atendimentos se apresentam hipoxêmicos. A combinação de ß2-agonista e hipoxemia resulta em importantes manifestações sobre o sistema cardiovascular, determinando vasodilatação, com redução da resistência vascular periférica. A acentuação da vasodilatação hipoxêmica determinada pelo uso dos ß2-agonistas contribui para a redução da ação simpática, potencializando a ação parassimpática, conduzindo ao colapso vascular, à bradicardia ou à assistolia (reflexo de Bezold-Jarish).9 Esta constatação reforça a importância de adequada oxigenação destes pacientes, não se concebendo na atualidade, a utilização de altas doses de ß2-agonistas, sem o uso concomitante de oxigênio.10

As medidas da saturação de oxigênio com a oximetria de pulso (SpO2) para determinar a terapêutica adequada de oxigênio e a gasometria de sangue arterial devem ser utilizadas. O objetivo é a manutenção da SpO2 entre 93 a 95% (94 a 98% para crianças de 6 a 11 anos), sendo a suplementação de oxigênio feita por máscara facial, ou cânula nasal.

Nas exacerbações mais graves, a oxigenoterapia de baixo fluxo controlada, empregando a oximetria de pulso para manter a saturação em 93–95%, está associada a melhores resultados fisiológicos do que a altas concentrações (100%) de oxigênio.11-13 Pacientes com SpO2< 92% em ar ambiente ou sob oxigenoterapia estão sob risco e necessitam de efetuar gasometria do sangue arterial. SpO2 < 92% está associada a maior risco de hipercapnia. A hipercapnia não é detectada pela oximetria de pulso. Por outro lado, o risco de hipercapnia com SpO2 > 92% é muito menor.

A maioria responde rapidamente (70%) a um esquema intensivo e mais precoce possível, de 4–10 puffs do spray dosimetrado de SABA com espaçador, de 20 em 20 minutos por uma hora, sem apresentar consequências hemodinâmicas significativas.14 Após a primeira hora, a dose necessária de SABA varia de 4–10 inalações a cada 3-4 horas até 6–10 inalações a cada 1–2 horas, ou mais frequentemente. Nenhum SABA adicional é necessário se houver uma boa resposta ao tratamento inicial.5

Existem dúvidas sobre os benefícios do salbutamol inalado continuamente versus intermitente. Se ao invés de utilizar o spray dosimetrado utilizar nebulização com drive sob fluxo contínuo de oxigênio, fazê-lo com fluxo de 6 l/min. Nos serviços que ainda utilizam cilindros de oxigênio, um regulador de alto fluxo deve ser ajustado. Nesta eventualidade, observar que o uso de nebulizadores pode disseminar aerossóis e potencialmente contribuir para a propagação de partículas infecciosas virais respiratórias.15

Rodrigo & Rodrigo16 através de um estudo duplo-cego randomizado, estudaram 180 pacientes que procuraram um serviço de emergência em decorrência de grave exacerbação de asma (VEF1< 50% do valor basal). Utilizaram doses elevadas de salbutamol (2.800 mcg/h) ou uma associação de altas doses de salbutamol com brometo de ipratrópio (2.800 e 504 mcg/h, respectivamente). As drogas foram administradas através de um spray dosimetrado, acoplado a um espaçador na dose de quatro inalações a cada dez minutos por um período de três horas. Pacientes em uso de aminofilina ou corticoide sistêmico não foram incluídos no estudo. Aqueles que receberam a combinação do ipratrópio com salbutamol obtiveram melhora de 20,5% no PFE (IC 95% – 2,6 a 38,4%) com aumento de 48,1% no VEF1 (IC 95% – 19,8 a 76,4%). A adição do ipratrópio ao salbutamol reduziu ainda o risco relativo de admissão hospitalar em cerca de 49% (RR – 0,51 – IC 95% – 0,31 a 0,83). Os autores concluíram que um tratamento mais agressivo com a associação em altas doses de ß2-agonista e brometo de ipratrópio resulta em melhora na função pulmonar e em redução nas taxas de admissão hospitalar em pacientes que se apresentam com asma severa.

O corticoide oral em doses adequadas deve ser prescrito em todo caso de ataque agudo de asma. Os comprimidos são tão efetivos quanto os injetáveis. A prednisolona nas doses de 40–50 mg diariamente16 ou a hidrocortisona parenteral 200 mg distribuídas ao longo das 24 hs são efetivas. A prednisolona 40–50 mg/dia é prescrita por 5–7 dias até a recuperação do paciente, podendo ser interrompida abruptamente, sem necessidade de redução, exceto para diminuir os efeitos colaterais.17 Durante este período, manter o corticoide por inalação.

Considerar a prednisolona oral 1–2 mg/kg/dia para crianças de 6-11 anos em unidade de emergência até um máximo de 40 mg/dia. Para crianças entre 0–2 anos máximo de 20 mg/dia e para aquelas entre 3–5 anos máximo de 30 mg/dia por 5 dias ou dexametasona 0,6 mg/kg/dia por 2 dias. No entanto, se ocorrer falha terapêutica na resolução da crise ou recidiva dos sintomas, há que se considerar a mudança para a prednisolona.5

Existem estudos de não inferioridade comparando a dexametasona à prednisolona, que demonstram que a dexametasona é mais bem tolerada pelas crianças quando usada nas exacerbações da asma.18-20 A dexametasona está associada à menor incidência de vômitos em comparação à prednisolona. Uma dose única de 0,3 mg/kg de dexametasona por via oral para crianças com exacerbação da asma não é inferior a 3–5 dias de prednisolona oral (1 mg/kg/dia). Entretanto, se ocorrer falha terapêutica na resolução da crise ou recidiva dos sintomas, há que se considerar a mudança para a prednisolona.

Pacientes que após uma hora do início do tratamento consigam valores do PFE ≥ 75% do seu valor previsto, ou de seu melhor valor, e a SpO2 em ar ambiente > 94% podem obter alta, a menos que apresentem algum dos seguintes critérios, quando a internação passa a ser a melhor opção:

Incerteza na aderência ao tratamento proposto
Se morar só / isolamento social
Problemas psicológicos / psiquiátricos
Problemas físicos
História prévia de asma quase fatal
Exacerbação apesar de terapêutica correta com corticoide inalatório
Atendimento em plantão noturno
Gravidez

Os pacientes que não obtêm melhora (30%) com esquema intensivo de inalação de ß2-agonistas em 1–2 h de tratamento, mantendo PFE < 60%, devem ser internados, utilizando-se corticoides por via parenteral. A não resposta ao ß-agonista reflete provavelmente um componente de edema de mucosa com alterações na cinética mucociliar.

Antes de o paciente ser liberado, providenciar a prescrição da continuidade do tratamento. Isso deve incluir o início do tratamento controlador contendo o corticoide por inalação (CI), de preferência CI – formoterol, para reduzir o risco de outra exacerbação, ou aumentar a dose do tratamento de manutenção existente (ajustar). Aconselhar aos pacientes a usar medicação de alívio conforme necessário (MART). ↴↴↴

Na atualidade a preferência para alívio da asma, segundo as recomendações da GINA, vigentes desde 2019, é a associação de um CI e um broncodilatador ß2-agonista de longa ação (LABA) como o formoterol. Trata-se de uma droga potente, com rápido início de ação, efetiva no alívio de sintomas e no relaxamento do músculo brônquico e que apresenta ação anti-inflamatória, com importante efeito inibidor sobre os mastócitos e neutrófilos.21,22 Evolutivamente passou-se a empregar o formoterol associado ao (CI), naqueles pacientes que já faziam uso da associação no tratamento regular da doença. O uso da associação nas agudizações da doença tem por objetivo reduzir a intensidade e modificar a evolução da exacerbação, pois sabemos que os CIs apresentam início rápido de ação, ocorrendo também sinergismo na ação das duas drogas devido às interações moleculares.

Não há indicação para prescrição de antibióticos na asma aguda, nem o uso de antagonistas de receptores de leucotrienos.

A adrenalina é uma droga que foi historicamente muito utilizada no tratamento das exacerbações da asma. Na atualidade o seu uso está restrito unicamente aos casos de asma associada à reação anafilática.23 A adrenalina é injetada por via intramuscular na coxa (0,3 a 0,5 mg para adultos, 0,01 mg/kg até 0,3 mg para crianças, repetida a cada 5 a 30 minutos, conforme indicado). Quanto mais cedo administrar a medicação no decurso de um evento anafilático, melhor. Em doses mais elevadas de adrenalina (ou seja, aquelas recomendadas para anafilaxia), os efeitos cardíacos α1 e β1 adrenérgicos predominam sobre os efeitos vasculares β-periféricos.24 Embora a adrenalina possa ser administrada repetidamente a cada 20–30 minutos, a frequência do pulso deve ser monitorada e mantida abaixo de 130 bpm. Em paralelo são estabelecidas medidas adjuvantes de suporte, como oxigenoterapia, acesso venoso periférico para hidratação, e suporte farmacológico com anti-histamínicos, corticoides e broncodilatadores...

>>Tratamento Hospitalar da Asma na Sala de Emergência

Referências

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